Hemobrás fica. Incerteza sobre futuro também

Mesmo após o Governo Federal desistir de levar parte da produção da empresa ao Paraná, estatal segue em busca de caminhos para operar efetivamente

Por Rafael Santos 06/10/2017 11:12 • Atualizado 06/10/2017
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Responsável pela produção de medicamentos utilizados no tratamento de pacientes com doenças do sangue no Sistema Único de Saúde (SUS), a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), sediada no município de Goiana, na Mata Norte, está no centro de uma disputa política. De um lado, o Ministério da Saúde (MS), que propôs transferir a atribuição de maior relevância técnica e econômica da estatal – a produção de medicamentos recombinantes – para o município de Maringá (PR), reduto eleitoral do ministro Ricardo Barros. Do outro, forças políticas pernambucanas, que se mobilizaram em prol da permanência da atividade no Estado.

“A decisão de implantar a fábrica em Pernambuco foi política e estratégica, com o objetivo de levar o desenvolvimento tecnológico para fora das regiões Sul e Sudeste. Foi, também, baseada em elementos técnicos, devido à história de vanguarda que o Estado possui no setor de hematologia”, explicou a deputada Priscila Krause (DEM), autora do requerimento de criação da Frente Parlamentar em Defesa da Hemobrás, instituída na Alepe.

Graças à articulação, o Governo Federal desistiu da transferência e a polêmica foi parcialmente superada. No entanto, a controvérsia expôs uma realidade complexa e desafiadora. Criada há 13 anos com a atribuição legal de produzir remédios a partir do sangue e do uso de biotecnologia (Lei Federal n° 10.972/2004), reduzindo a dependência do País frente ao mercado farmacológico internacional, a estatal ainda é um plano não concretizado. Sete anos já se passaram desde o início das construção do parque industrial, mas a fábrica segue inacabada.

Atualmente, a Hemobrás possui dois contratos em vigor – com a Shire e a LFB –, ambos suspensos devido aos atrasos nas obras. Um deles é voltado para a área de hemoderivados, medicamentos produzidos a partir do plasma sanguíneo para tratamento de pessoas com imunodeficiências genéticas, doenças autoimunes, câncer e outras enfermidades. O outro diz respeito aos recombinantes, drogas mais modernas que não utilizam o sangue como matéria-prima e são criadas a partir do uso de engenharia genética.

A principal dificuldade está relacionada à estrutura física: orçada inicialmente em R$ 540 milhões, a fábrica já recebeu cerca de R$ 1 bilhão em investimentos públicos federais. Entretanto, estima-se a necessidade de mais R$ 600 milhões (recursos, no momento, indisponíveis) para concluir os 30% restantes da planta, cujas obras foram paralisadas por orientação do Tribunal de Contas da União (TCU). “Em razão da crise fiscal do País, a busca do Ministério da Saúde é realizar investimentos sem novos recursos públicos para essa finalidade, arcando somente com a compra centralizada de hemoderivados”, posicionou-se o MS em nota.

Além da planta inacabada, dívidas com fornecedores e problemas técnicos dos parceiros limitam a atuação da estatal, que, no momento, realiza apenas algumas etapas da produção, como transporte e armazenamento do plasma. O cenário de incertezas inclui, também, a Operação Pulso, deflagrada pela Polícia Federal em 2015 para investigar denúncias de corrupção em contratos.

O Ministério da Saúde avalia, atualmente, uma oferta de renegociação apresentada pela Shire. “A companhia propôs investir US$ 250 milhões na conclusão da fábrica de recombinantes e em uma parte da planta de hemoderivados, além de abrir mão de US$ 40 milhões referentes aos juros da dívida de US$ 150 milhões que a Hemobrás acumula”, explicou Antônio Edson Lucena, gerente da empresa. “Caso a proposta seja aceita, ainda faltariam outros R$ 500 milhões para concluir a fábrica de hemoderivados. A ideia é buscar financiamentos ou conversar com possíveis interessados em participar do processo”, adiantou, ressaltando que os valores são estimativas, porque os preços dos artigos variam de acordo com o câmbio.

Inacabada, a unidade não pode receber dos parceiros contratuais a tecnologia necessária para produzir sozinha os medicamentos. Por isso, segue importando todas as drogas distribuídas aos pacientes do SUS. De acordo com o MS, o montante anual destinado à compra desses medicamentos chega a R$ 800 milhões. “Quando a Hemobrás assumir a produção, o Brasil economizará cerca de 40% do que é gasto hoje com a aquisição de recombinantes, e 20% no processo de fabricação de hemoderivados”, esclareceu Lucena.

Durante audiência pública na Alepe, servidores da estatal se queixaram de “falta de visão estratégica” e “subaproveitamento da mão de obra qualificada”. “Somos 180 profissionais especializados que têm trabalhado para fazer o máximo com o mínimo de orçamento. Se a obra está parada é porque o Governo Federal não se interessa pelo Nordeste”, criticou Jaffe Xavier, presidente do sindicato da categoria.

Enquanto isso, pacientes seguem aguardando o acesso facilitado aos medicamentos de que necessitam para sobreviver. “Precisamos garantir a continuidade do tratamento e, por isso, preocupa-me o atraso no cronograma de obras e todo o descuido que vem sendo registrado com o erário”, acrescentou Alexandre Matos, representante da Federação Brasileira dos Hemofílicos.

AMEAÇAS – Ainda sem se posicionar sobre a proposta de repactuação apresentada pela empresa Shire, o MS lançou edital de licitação para aquisição dos medicamentos recombinantes de forma direta, sem intermédio da Hemobrás. O anúncio foi publicado no Diário Oficial da União do dia 8 de setembro e prevê a compra de 300 milhões de unidades internacionais do Fator VIII recombinante para abastecer o SUS nos seis primeiros meses de 2018.

Em sequência, no último dia 22 de setembro, o Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) firmou um acordo de transferência de tecnologia com a empresa suíça Octapharma para o fracionamento do plasma sanguíneo e a produção de recombinantes. As companhias são as mesmas envolvidas na primeira tentativa de transferência da produção do medicamento para o Sul do País.

As duas iniciativas são vistas por representantes da empresa e por políticos pernambucanos como novas tentativas de inviabilizar a operação efetiva da Hemobrás. “As medidas representam não apenas o descumprimento do contrato firmado entre a estatal e a Shire, mas ameaças ao funcionamento da Hemobrás, que tem no referido acordo a principal fonte de receita”, argumentou o deputado Ricardo Costa (PMDB). O parlamentar defende a manutenção da articulação de políticos do Estado. “Está na cara que o problema da Hemobrás é político, e estou convicto de que as resoluções em relação à empresa se darão por essa mesma via”, disse em Plenário.

Âncora do Polo Farmacoquímico
A Hemobrás está instalada no Polo Farmacoquímico que vem sendo estruturado com incentivos do Governo Estadual em Goiana, às margens da BR-101. O terreno de 159 hectares conta com duas empresas em funcionamento, quatro em processo de instalação e duas em negociação. De acordo com a Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (AD Diper), os empreendimentos somam mais de R$ 1,5 milhão em investimentos e, quando em operação, devem gerar 1.043 empregos diretos.

Como incentivo para atrair as empresas, o Estado cedeu o terreno e ofereceu aos investidores a redução do saldo devedor do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em 95%, pelo prazo de 12 anos. Também se comprometeu a fornecer a infraestrutura necessária para alavancar os empreendimentos. “A parte da rodovia que vai até a Hemobrás está pronta. Além disso, as obras do acesso viário ao Polo Vidreiro, que fica dentro do Farmacoquímico, já foram licitadas e começam até o fim do ano”, informou, em nota, a AD Diper. Segundo o texto, 80% da estrutura elétrica foi concluída e existe um projeto sob responsabilidade da Compesa para o abastecimento d’água.

Mas o diretor da Hemobrás, Antônio Edson Lucena, disse ser preciso acelerar os investimentos no condomínio industrial. “Para tornar o polo realidade, é necessário um olhar mais atencioso do Estado. Ainda não estamos discutindo carências de infraestrutura porque há questões primeiras a serem resolvidas, como a conclusão da nossa fábrica. No entanto, sem investimentos em fibra ótica, telefonia, gás e, mais urgentemente, no tratamento de água e esgoto industrial, a falta desses recursos poderá se tornar o próximo gargalo”, alertou.

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