Fake News: Você já foi enganado hoje?

Por Rafael Santos 23/04/2018 10:03 • Atualizado 23/04/2018
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Criar, repassar ou acreditar em um boato, definitivamente, não são novidades. Inéditas, no entanto, são a velocidade e a magnitude que as notícias falsas têm alcançado em tempos de uso crescente da internet e das redes sociais. Mais que isso: a divulgação planejada e articulada dessas mensagens – batizadas internacionalmente de fake news – tem garantido a elas papel central nas principais discussões e decisões públicas recentes, acendendo o alerta de estudiosos, imprensa e autoridades de todo o mundo.

Pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), o professor Fábio Gouveia identifica que as fake news são utilizadas, principalmente, com o objetivo de “destruir reputações”, sendo presença recorrente nas discussões sobre política. O uso massivo deste artifício nas últimas eleições presidenciais dos Estados Unidos e a rede de boatos que se criou em torno do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro, Marielle Franco, confirmam essa percepção.

Para isso, acrescenta o estudioso, são usados os mais variados formatos de divulgação – e-mails com links enganosos, mensagens para Whatsapp, fotos e vídeos produzidos artesanalmente para redes sociais ou sites construídos de forma mais estruturada. Independentemente do grau de sofisticação da produção, as notícias falsas têm conseguido atingir grande alcance e interferir nos debates públicos graças, primeiramente, ao uso de dispositivos (robôs) que compartilham conteúdos em massa. Nas eleições presidenciais brasileiras de 2014, 10% das interações no Twitter foram feitas por essas ferramentas tecnológicas, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas.

No entanto, analisa, é a natureza humana que alimenta esse ciclo. “A robotização do processo é fundamental para iniciar uma avalanche. Porém, depois que a mensagem atinge determinado grau de contágio, são as pessoas reais que potencializam a rede de mentiras, e de maneira voluntária”, explica Gouveia.

O professor se baseia em estudo do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) que analisou o comportamento de usuários do Twitter entre 2006 e 2016. Os pesquisadores notaram que, nesse período, robôs compartilharam mensagens verdadeiras e falsas na mesma proporção; no entanto, as fake news atingiram as pessoas seis vezes mais rápido do que as notícias corretas.

Duas causas foram apontadas pelos pesquisadores norte-americanos: a exploração de assuntos com caráter de novidade e o apelo dramático dos boatos. “Ao eleger palavras que causam surpresa ou repugnância, as notícias falsas evocam mais emoção das pessoas que as demais”, diz o levantamento, destacando que tal combinação confere às fake news uma chance 70% maior de serem compartilhadas.

Apurar e checar – Para fazer frente ao fenômeno, agências especializadas na checagem de informações vêm se tornando cada vez mais comuns no Brasil e no mundo. A proposta dessas plataformas, que atuam de maneira independente ou associadas a veículos tradicionais de comunicação, é identificar inconsistências e inverdades nos conteúdos compartilhados. Jornalista do site Aos Fatos, lançado durante o processo de impeachment no Brasil, em 2015, Bárbara Libório explica que a equipe do portal verifica não apenas os boatos que ganham repercussão nas redes, mas também os discursos de autoridades e pessoas públicas.

Isso porque, segundo Bárbara, a estratégia da desinformação vai além da divulgação de uma notícia deliberadamente mentirosa. A metodologia da agência Aos Fatos identifica seis tipos de conteúdos: “Há os tipicamente falsos; os imprecisos, em que a informação carece de contexto; os exagerados, quando há certa manipulação dos dados; os insustentáveis, marcados pela ausência de fatos que suportem a afirmação; os contraditórios, quando uma autoridade nega uma ideia que já tenha afirmado antes; além daqueles identificados como corretos, portanto verdadeiros”, explica. “Nem tudo que encontramos é tão determinado. Há várias nuances na estratégia de manipulação”, acrescenta.

No trabalho, a jornalista também observa o fator humano como potencializador dos boatos. “Num cenário de polarização, os embates estão cada vez mais agressivos. As pessoas buscam uma notícia, estudo ou link que corrobore a opinião delas, sem se preocuparem em verificar se tais materiais trazem algo verdadeiro ou não”, analisa. Por isso, Bárbara dá dicas para que o leitor identifique possíveis armadilhas antes de ceder ao impulso de compartilhar o boato.

Big Data e polarização

O professor Fábio Gouveia entende que a polarização observada na sociedade ocorre porque, apesar de ter contato com muito mais fontes de informação disponíveis que no passado recente, as pessoas estão se expondo a conteúdos cada vez menos diversos. “Temos mais acesso às notícias, mas será que temos mais informação?”, questiona. “As novas tecnologias são fundamentais para garantir o acesso à pluralidade, mas graças ao uso de algoritmos, as redes sociais vêm criando restrições ao diferente, formando bolhas nas quais o indivíduo se comunica apenas com quem já concorda com a opinião dele”, afirma.

Usados nas mais variadas ações do cotidiano, algoritmos são etapas programadas para levar a um resultado desejado, como uma receita de bolo. No caso das redes sociais, permitem o direcionamento de um certo tipo de conteúdo a determinado perfil de usuário, cujas preferências são identificadas com base na movimentação dele na Internet (o que curte, sites que visita, entre outros).

Esse amplo conjunto de informações reunido por empresas de tecnologia (big data) é fornecido voluntária e gratuitamente pelos indivíduos ao aceitar as condições de uso do aplicativo. Trata-se de um valioso recurso, que vem sendo vendido para anunciantes comerciais e produtores de conteúdos políticos. O escândalo da Cambridge Analytica surgiu, justamente, com a descoberta de tal prática nas eleições americanas de 2016.

VISITA – Presidente da Frente Parlamentar de Combate aos Crimes Cibernéticos, Aluísio Lessa, conheceu trabalho do delegado titular da área, Derivaldo Falcão. Foto: Sabrina Nóbrega
VISITA – Presidente da Frente Parlamentar de Combate aos Crimes Cibernéticos, Aluísio Lessa, conheceu trabalho do delegado titular da área, Derivaldo Falcão. Foto: Sabrina Nóbrega

Por isso, a combinação fake news + big data pauta discussões de órgãos públicos em todo o País. As instituições buscam se preparar para o uso massivo da estratégia nas eleições de outubro. “O processo eleitoral brasileiro já se mostrou efetivamente seguro nas últimas décadas. Não sendo possível burlar a urna eletrônica, criminosos estão partindo para outras estratégias: enganar o eleitor”, analisa o coordenador de Infraestrutura de Tecnologia da Informação do Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE), George Maciel.

As discussões também envolvem a Alepe, que criou, recentemente, a Frente Parlamentar de Combate aos Crimes Cibernéticos. As fake news são tema recorrente nas reuniões do colegiado, que trata também de outras práticas delituosas cometidas na rede, como golpes financeiros, bullying digital e pedofilia. “Nosso objetivo central é compreender esses fenômenos e apresentar sugestões às autoridades competentes. Avalio que o caminho passa por campanhas educativas”, acredita o coordenador do grupo, deputado Aluísio Lessa (PSB).

fake_news02_webLegislação e enfrentamento
Para estabelecer princípios, direitos e deveres àqueles que atuam no ambiente virtual, foi aprovado, em 2014, o Marco Civil da Internet. A norma federal permite a retirada de conteúdos que atentem contra a honra dos indivíduos, desde que haja ordem judicial específica.

Foi o que aconteceu após o assassinato da vereadora Marielle Franco. Acionada por familiares da vítima, a Justiça determinou a exclusão de conteúdos da rede, justificando que a vinculação do nome da parlamentar a facções criminosas “extrapolam o que a Constituição fixou como limite ao direito de livremente se manifestar”. De acordo com o Marco Civil, a responsabilização do provedor da internet por conteúdos produzidos por terceiros só é possível quando se descumpre tal decisão jurídica.

O titular da Delegacia de Combate aos Crimes Cibernéticos em Pernambuco, Derivaldo Falcão, acrescenta que aquele que cria ou compartilha notícia falsa pode ser punido penal e civilmente se a divulgação incorrer em calúnia, injúria e difamação. O delegado admite que muitas vezes há dificuldade de encontrar a origem das notícias, geralmente fabricadas de modo a não deixar rastro e hospedadas em provedores fora do País, passando a investigação a depender de cooperações internacionais.

“Para que a gente consiga investigar a ocorrência, o denunciante deve nos apresentar um print [captura de tela] da página da internet ou da rede social que se quer delatar”, orientou. Essa cópia deve ser feita a partir de um computador de mesa, e não de um celular, de modo que a delegacia consiga recuperar a URL (endereço virtual) da página e identificar o autor, acrescenta Falcão.

A questão é que o mundo virtual tem como característica ser dinâmico, sendo atualizado constantemente por novas tecnologias que surgem. E a legislação não consegue acompanhar este ritmo, explica o professor da Ufes Fábio Gouveia. “Facebook e YouTube, por exemplo, não são identificados como veículos de mídia tradicionais, estando hoje no vácuo da legislação. Quem vem cometendo delitos nessas redes usa, muitas vezes, vazios regulatórios”, pontua o estudioso. Ele observa que, atualmente, veículos de comunicação tradicionais pressionam por mudanças, preocupados com a migração dos recursos de publicidade para os novos meios.

Assim como Gouveia, o integrante da Coalizão Direitos na Rede, organização da sociedade civil que atua em defesa da Internet livre e aberta no Brasil, Paulo Rená defende que não se busque soluções rápidas. “É preciso sair da urgência eleitoral e pensar em algo para nosso projeto de nação. As redes sociais não são veículos de comunicação e merecem ser entendidas em sua complexidade como espaço de manifestação dos usuários”, opina. “Como as mudanças na rede são frequentes e ágeis, uma lei criada hoje pode não caber daqui a alguns anos. Devemos, portanto, pensar em princípios”, acrescenta.

Rená, que também representa o Instituto Beta, critica propostas apresentadas recentemente no Congresso Nacional focadas na criminalização da prática, como os projetos de lei nº 473/2017, 8592/2017 e 9931/2018. Para ele, tais proposições esbarram, primeiramente, na dificuldade se definir o que é “verdade” e pecam por focar na criminalização. “Podem, desse modo, constituir uma ameaça à liberdade de expressão, alimentando a censura prévia em indivíduos e veículos de comunicação, que podem desistir de publicar algo com receio de virem a ser punidos mais tarde”, avalia.

Para ele, a estratégia deve ser oposta. “Desinformação se combate com mais livre expressão e informação, não com menos”, argumenta, e sugere que, em vez da remoção de conteúdos, estabeleça-se uma política da contrainformação. “É uma forma de enfrentar as notícias falsas de maneira mais dinâmica, descentralizada e robusta”, afirma Rená. Bárbara Libório também acredita que o foco deve ser o empoderamento do usuário das redes, além do uso da própria tecnologia no embate. “O essencial é estimular o ceticismo do leitor, dando a ele condições de fazer sua própria verificação”, conclui.

Ivanna de Castro

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