Autoridades divergem sobre cobrança por tornozeleira eletrônica

Por Rafael Santos 11/11/2019 16:17 • Atualizado 11/11/2019
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A possibilidade de presos e apenados serem cobrados pela utilização de tornozeleira eletrônica foi tema de audiência pública realizada, na manhã desta segunda (11), por iniciativa conjunta das Comissões de Justiça, Finanças,  Administração Pública e Cidadania. A proposta está presente nos projetos de lei de números 394/2019 e 439/2019, de autoria, respectivamente, dos deputados Delegado Erick Lessa (PP) e Gustavo Gouveia (DEM), que foram condensados em substitutivo do colegiado de Justiça. No entanto, representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e do Governo Estadual avaliam que a medida é inconstitucional, já que o assunto seria de competência federal.

“A Constituição brasileira é clara: é competência exclusiva e única do Poder Executivo Federal ou do Congresso Nacional votar ou alterar esse tipo de matéria, que é de ordem penal e penitenciária”, afirmou o secretário estadual de Justiça e Direitos Humanos, Pedro Eurico, apontando a definição de competências presente no artigo 22 da Carta Magna. “Além disso, o projeto estabelece uma taxa, o que é competência exclusiva do Poder Executivo Estadual, e não do parlamento, conforme a Constituição Estadual”, salientou o gestor.

O presidente da Comissão de Justiça, deputado Waldemar Borges (PSB), discordou que o texto aprovado pelo colegiado seja formalmente inconstitucional. “Acredito que esse projeto apenas altera procedimentos do sistema penitenciário. Por isso, a Alepe pode legislar sobre o tema”, observou. “Mas esclareço que sou contra à proposta, no mérito. Como o número de tornozeleiras é limitado, poderíamos ter pessoas que não saem da prisão por não poderem pagar”, declarou. 

Presente na reunião, Erick Lessa esclareceu que seu objetivo com o projeto é melhorar as condições do sistema prisional como um todo. “Pernambuco tem 34 mil presos para 13 mil vagas. Como um ambiente como esse pode ressocializar? Cobrando as tornozeleiras de quem pode pagar, podemos investir esse dinheiro na reestruturação do sistema penitenciário”, argumentou o parlamentar. Pelo texto em tramitação, o valor cobrado a título de ressarcimento pelo gasto com esses equipamentos seria destinado ao Fundo Penitenciário do Estado (Funpepe). 

Juiz de Direito aposentado e especialista em Execução Penal, Adeildo Nunes chamou atenção para o fato de a lei propor que os presos possam pagar a cobrança pelas tornozeleira com o trabalho dentro do sistema prisional. “A Lei de Execução Penal, que é de 1984, prevê o trabalho na prisão como direito do Estado e obrigação do preso. Mas a Constituição de 1988 proibiu o trabalho forçado e, assim, mudou toda a jurisprudência sobre o tema, tornando o trabalho um direito do preso e uma obrigação do Estado”, pontuou o magistrado. 

Por sua vez, o promotor Fernando Falcão, do Ministério Público Estadual, não fez restrição à cobrança, desde que ela seja aprovada na esfera federal. Mesmo assim, ele opinou que não cabe a cobrança para presos provisórios. “Só poderia ocorrer para os condenados após o trânsito em julgado”, avaliou.

As condições materiais em que vivem os presos também foram vistas como argumento contrário à proposta. “Apenas 7% deles trabalham. Do jeito que está no projeto de lei, seriam responsabilizadas pessoas que não vieram a cometer nenhum crime, que são os familiares dos presos”, destacou Natália Lupo, defensora pública estadual. “Os presos pernambucanos estão em crédito com o Estado pela situação degradante a que são submetidos”, avaliou o defensor público da União André Carneiro Leão. A preocupação com o impacto social da medida também foi manifestada pelas deputadas Jô Cavalcanti, das Juntas (PSOL), e Teresa Leitão (PT), além do deputado João Paulo (PCdoB), que é relator do projeto na Comissão de Cidadania da Alepe.

Presidente da Comissão de Administração, o deputado Antônio Moraes (PP) ressaltou que a proposta seguirá em tramitação pelos colegiados temáticos até a votação final. “É importante podermos ouvir a população e, na sequência, levar ao Plenário, que será soberano para decidir”, explicou. O deputado Lucas Ramos (PSB), que preside a Comissão de Finanças, explicou que “apenas uma avaliação unânime de inconstitucionalidade no colegiado de Justiça pode ser terminativa para uma proposição apresentada na Casa, segundo o Regimento Interno”.

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