Lagoa de Itaenga: MPF questiona lei municipal que proíbe discussões de gênero em escolas

Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão e Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão enviaram representação à PGR

Por Rafael Santos 23/04/2018 09:56 • Atualizado 23/04/2018
Compartilhe

A Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em Pernambuco (PRDC/PE) e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), do Ministério Público Federal (MPF), enviaram representação para que a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, questione, junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), a constitucionalidade de lei municipal que proíbe a abordagem de questões de gênero em escolas de Lagoa de Itaenga, na zona da mata pernambucana.

Na representação, é requerido que a PGR realize o questionamento por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental. A procuradora regional dos Direitos do Cidadão em Pernambuco, Carolina de Gusmão Furtado, e a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, argumentam que a Lei Municipal nº 702/2017 usurpou a competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, violando o princípio do pacto federativo.

A PRDC e a PFDC também destacam que a lei municipal viola direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como o direito à educação, liberdade de ensino, e o direito da criança, do adolescente e do jovem a ser colocado a salvo de toda forma de discriminação e violência. Reforçam, ainda, que os conceitos de gênero e orientação sexual foram construídos com base acadêmica, desde a década de 1970, e que há mais de mil grupos de pesquisa sobre o tema cadastrados no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“É evidente que a abordagem da temática gênero e orientação sexual no ambiente educacional não possui finalidade ideológica, tal como apontado em exposição de motivos de diversas leis aprovadas em âmbito municipal e estadual no Brasil, mas possui uma sólida base acadêmica e visa à construção de uma escola democrática e plural e, como consequência, uma sociedade com tais características, bem como a coibir as violações sistemáticas a direitos humanos no Brasil decorrentes de preconceitos de gênero e orientação sexual, que atingem majoritariamente crianças e jovens”, argumentam.

Além de ser adotado pela Constituição, o conceito de educação democrática também norteia, conforme argumentam a PRDC e a PFDC, tratados internacionais como o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e o Protocolo de San Salvador, promulgado pelo Decreto nº 3.321/1999.

Violência – Conforme o documento, dados do “Mapa da Violência 2013 – Homicídio de Mulheres” indicam que, de 2001 a 2011, o índice de mulheres jovens assassinadas foi superior ao do restante da população feminina. Já o “Mapa da Violência 2015” demonstra que o Brasil foi considerado o quinto país mais violento para mulheres, em um universo de 83 nações. Em 2016, ranking da organização não governamental internacional Save The Children indicou que o número de casamentos infantis – antes dos 18 anos de idade – e de meninas grávidas na adolescência colocou o Brasil entre os 50 piores países para se nascer mulher.

“Já a Pesquisa Nacional sobre o Ambiente Educacional no Brasil 2016 constatou que, dentre os estudantes gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT), 73% foram agredidos verbalmente e 36% foram agredidos fisicamente nas escolas, descortinando a escola como um ambiente de extrema violência e que, a partir de práticas pedagógicas, precisa ser modificado”, destaca a representação à PGR.

As autoras do documento requerem, ainda, que seja feito pedido para que o STF suspenda cautelarmente, conforme já decidido em casos análogos, a Lei Municipal nº 702/2017, de Lagoa de Itaenga, até o julgamento final da arguição de descumprimento de preceito fundamental.

Deixe um comentário

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Mais do Giro Mata Norte